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Fonte: CEVAP. |
O veneno de uma vespa brasileira, Polybia paulista, contém
uma poderosa toxina que mata células de câncer, sem danificar células
saudáveis. Agora, um grupo de cientistas da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) e da Universidade de Leeds, na Inglaterra, descobriu exatamente como a
toxina, chamada MP1, consegue abrir buracos exclusivamente nas células
cancerosas, destruindo-as.
O estudo, publicado em 1º de junho, na revista
científica Biophysical Journal, poderá inspirar a criação de uma classe inédita
de drogas contra o câncer, segundo os cientistas. De acordo com um dos autores
do estudo, Paul Beales, da universidade inglesa, a toxina MP1 não afeta as
células normais, mas interage com lipídios – moléculas de gordura –que estão
distribuídos de forma anômala apenas na superfície das células de câncer. Ao
entrar em contato com a membrana dessas células, a toxina abre buracos por onde
escapam moléculas essenciais para seu funcionamento.
“Terapias contra o câncer que atacam a composição de
lipídios da membrana da célula seriam uma classe inteiramente nova de drogas
antitumorais. Isso poderia ser útil para o desenvolvimento de novas terapias
combinadas, nas quais múltiplas drogas são utilizadas para tratar um câncer
atacando diferentes partes de suas células simultaneamente”, disse Beales.
De acordo com outro dos autores, João Ruggiero Neto, do
Departamento de Física da Unesp em São José do Rio Preto, a Polybia paulista
foi descoberta e descrita pelo professor Mário Palma, da Unesp de Rio Claro.
Os cientistas já haviam estudado a toxina MP1 e sabiam que
ela agia contra micróbios causadores de doenças destruindo a membrana das células
bacterianas. Mais tarde, os estudos revelaram que a toxina é promissora para
proteger humanos de câncer e tem capacidade para inibir o crescimento de
células de tumores de próstata e de bexiga, além de células de leucemias
resistentes a várias drogas.
Até agora, no entanto, não se sabia como a MP1 é capaz de
destruir seletivamente as células tumorais, sem danificar as células saudáveis.
“Desde que
descrevemos a toxina do veneno dessa vespa, em 2009, sabíamos que ela contém
peptídeos com uma forte propriedade antibacteriana, funcionando como um
antibiótico potente. Mais tarde, pesquisadores coreanos e chineses começaram a
fazer trabalhos com esses peptídeos sobre células de câncer e nós fomos estudar
sua ação em linfócitos com leucemia”, disse Neto ao Estado.
Mecanismo. O grupo da Unesp confirmou então que as toxinas
eram extremamente seletivas, reconhecendo apenas os linfócitos leucêmicos, as
não os sadios. Eles começaram suspeitar que a explicação para essa seletividade
tinha relação com as propriedades únicas das membranas de células de câncer.
“Fomos investigar o mecanismo”, afirmou Neto.
Segundo ele, em membranas de células saudáveis, os
fosfolipídios chamados PS e PE se situam na membrana interna, voltados para o
lado de dentro da célula. Mas, nas células de câncer, os PS e PE ficam
incorporados na membrana externa, voltados para o ambiente em volta da célula.
Os cientistas testaram sua teoria criando membranas-modelo
contendo PE e PS e as expondo à MP1. Eles utilizaram uma ampla gama de técnicas
biofísicas e de imageamento para caracterizar os efeitos destrutivos da MP1
sobre as membranas.
O resultado foi impactante: a presença de PS aumentava de 7
a 8 vezes a quantidade de MP1 que se ligava à membrana. A presença de PE, por
outro lado, aumentava a capacidade da MP1 de danificar rapidamente a membrana,
aumentando o tamanho dos buracos de 20 a 30 vezes.
“Formados em poucos segundos, esses poros são grande o
suficiente para permitir o vazamento de moléculas críticas para a célula, como
RNA e proteínas. O aprimoramento dramático da permeabilização induzida pela
toxina na presença do PE e as dimensões dos poros nessas membranas foram
surpreendentes”, disse Neto.
Potencial. Em estudos futuros, os cientistas planejam
alterar a sequência de aminoácidos da MP1 para examinar como a estrutura da
toxina se relaciona à sua função, a fim de aprimorar sua seletividade e sua
potência para propósitos clínicos.
Segundo Beale, entender o mecanismo de ação dessa toxina vai
ajudar estudos translacionais – isso é,
pesquisa científica aplicada clinicamente – para avaliar no futuro o seu
potencial para o uso na medicina.
“Como ficou demonstrado em laboratório que a toxina é
seletiva para células de câncer e não é tóxica para células normais, ela tem
potencial para ser segura. Mas mais trabalho será necessário para provar isso”,
afirmou Beale.