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A raia-maçã é responsável por diversos casos de envenenamento
nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. (foto: Gabriela Ortega
Coelho Thomazi)
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Um perigo escondido e negligenciado mergulha pelas águas brasileiras.
Peixes peçonhentos podem ser encontrados em todas as regiões do país, e entre
eles estão as várias espécies de raias de água doce – ou peixes batoides –,
portadoras de um espinho venenoso na cauda (ferrão) e um muco tóxico que as
cobre por inteiro. Uma pesquisa em andamento no Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares, em parceria com o Instituto Tocantinense Presidente
Antônio Carlos Porto e a Universidade Federal do Tocantins, está desvendando o
veneno das raias e pretende encontrar um alívio mais rápido para as vítimas de
envenenamento por esses animais.
As raias são responsáveis por uma série de acidentes, principalmente em
lugares mais quentes, onde a população se refresca com os banhos de rio – um
hábito especialmente frequente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Para esses
casos de envenenamento, ainda não existe a soroterapia, solução eficaz contra
picadas de cobras como a cascavel, por exemplo. As vítimas das raias recebem
tratamento apenas para aliviar os sintomas: dores angustiantes, que percorrem
todo o membro atingido, e inchaço.
A biomédica Gabriela Ortega Coelho Thomazi vive no Tocantins há mais de
25 anos e é a responsável pela pesquisa que investiga a imunologia do veneno da
raia de água doce da espécie Paratrygon aireba, popularmente
conhecida como raia-maçã. “Durante a época da estiagem, formam-se bancos de
areia e partes dos rios Araguaia e Tocantins viram praias de água doce. Nesse
período, há um aumento das ocorrências de envenenamento por raias, que se
camuflam em águas rasas”, conta.
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O ferrão da raia-maçã guarda toxinas perigosas para os humanos. (foto: Gabriela Ortega Coelho Thomazi) |
Após coletar as amostras do veneno de raias-maçã do rio Tocantins, a
biomédica aplicou em coelhos uma versão diluída do veneno, o suficiente para
detectar a produção de anticorpos pelos animais. O composto tóxico também foi
irradiado, em um procedimento que atenua a toxicidade do veneno sem perda na
capacidade imunogênica – isto é, na capacidade de estimular o sistema
imunológico. O processo otimiza a produção de anticorpos e reduz o sofrimento
do animal usado no experimento.
Após uma sequência de ‘vacinas’ compostas pelas substâncias extraídas da
raia, a pesquisadora realizou a medição dos anticorpos dos coelhos. “Os
resultados demonstraram que tanto o muco quanto o veneno contido no ferrão da
raia-maçã são capazes de induzir a formação de anticorpos”, relata Thomazi. Mas
sua pesquisa vai além: “Embora ainda no começo de nossos estudos, agora temos
os anticorpos para realizarmos novos testes que poderão resultar na soroterapia
para tratar o envenenamento por raias”. A soroterapia, neste caso, terá como
objetivo reduzir o sofrimento dos feridos, aliviando as dores e acelerando o
processo de recuperação.
Os primeiros e promissores resultados da pesquisa foram apresentados na
Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), que
termina neste sábado (12/9) em São Paulo. Em sua apresentação, a pesquisadora
chamou atenção para a falta de conhecimento em relação aos envenenamentos por
peixes. “Todo acidente com animal peçonhento deve ser informado pelo
profissional de saúde que realiza o atendimento através do preenchimento de uma
ficha de notificação por acidente de animal peçonhento, porém, não há ainda um
campo específico para peixes venenosos. Assim, esses casos são subnotificados,
o que gera falta de informação e até pesquisas na área”, encerra.
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