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Foto: Agência Fapesp. |
Um trabalho de pesquisa feito no
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) levantou dados
importantes sobre contaminação ambiental ao trabalhar com o caranguejo-uçá (Ucides cordatus), um crustáceo de mangue
presente no litoral do estado de São Paulo.
Coordenado pela pesquisadora
Flavia Pinheiro Zanotto, do Departamento de Fisiologia do IB/USP, o projeto
“Caracterização do transporte de cádmio em interação com o cálcio em célulasepiteliais de Ucides cordatus, um caranguejo de mangue” recebeu apoio FAPESP na
modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular e revelou dados importantes sobre a
contaminação desses animais e do ambiente.
A pesquisa se concentrou na
análise de traços de cádmio encontrados nesses animais. “Os animais, de maneira
geral, não usam esse metal para nenhuma função biológica; por isso, gostaríamos
de saber como o cádmio entra na célula sem que exista um transportador específico
para introduzi-lo”, disse Zanotto.
A resposta, segundo ela, é que
esse metal se utiliza dos transportadores do cálcio para penetrar na estrutura
celular. Ambos os elementos, o cádmio e o cálcio, possuem raios iônicos
parecidos e são divalentes, o que os torna competidores de certos
transportadores de membrana quando estão juntos, e que pode ser extrapolado
quando estão presentes no ambiente.
As análises feitas, no entanto,
mostraram que, quando colocados simultaneamente em contato com o animal, cálcio
e cádmio não competiam para entrar na célula, mas, ao se ministrar um inibidor
de cálcio, a absorção de cádmio era reduzida.
“Isso abre espaço para novas
ações de controle ambiental como, por exemplo, introduzir no ambiente íons
inofensivos que tenham prioridade de transporte em relação ao cádmio, fazendo
com que sejam absorvidos no lugar do metal tóxico”, disse Zanotto.
Segundo ela, em ambientes ricos
em cálcio, por exemplo, os animais estarão menos suscetíveis à absorção de
metais como cobre, zinco e o próprio cádmio.
O cálcio é elemento essencial
para o animal. Já o cádmio é um metal potencialmente tóxico encontrado em
baterias e um contaminante ambiental. Em trabalhos anteriores, Zanotto já havia
detectado a presença de metais tóxicos em manguezais do litoral de São Paulo,
tanto nos animais como em plantas que lhes serviam de alimentos.
“A quantidade detectada estava
dentro dos limites da legislação brasileira, com exceção do cromo”, disse
Zanotto, baseando-se em resultados de outro trabalho desenvolvido em parceria
com o pesquisador Marcelo Antônio Amaro Pinheiro, do campus de São Vicente da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mais cádmio nas células
A outra pesquisa consistiu em
coletar animais de mangues do litoral sul de São Paulo e analisar células dos
chamados epitélios de troca, como brânquias, hepatopâncreas e glândula antenal,
estrutura análoga ao rim humano. Esses locais regulam a passagem de íons do
meio externo, por isso são especialmente interessantes para a pesquisa.
Para se medir a quantidade de
cádmio foi utilizado um marcador fluorescente sensível a esse metal. O marcador
penetra na célula e se liga ao metal gerando fluorescência. Caso a célula
receba mais cádmio o marcador aumenta a fluorescência, detectada com precisão
por meio de um equipamento de leitura para esse tipo de luz.
Ao comparar os animais coletados
em regiões diferentes, os pesquisadores descobriram que caranguejos de Itanhaém
tinham mais facilidade de adquirir cádmio, por ser esta a região com maior
índice de contaminação do metal, o que deixava os animais ainda mais
suscetíveis a ele, em comparação aos animais coletados na região da Jureia,
onde há menor concentração desse contaminante.
“Isso significa que, quanto mais
cádmio existir dentro de suas células, menos o animal consegue lidar com o
metal e mais suscetível ele será para o contaminante. Ou seja, entra mais
cádmio nas células do animal que habita uma região já contaminada”, disse
Zanotto.
Contudo, o caranguejo U.cordatus não se mostrou um bom
marcador de contaminação ambiental. Zanotto explica que, por esse animal ter
uma vida relativamente longa – dez anos em média – seria de se esperar que ele
portasse um histórico da contaminação do ambiente.
“No entanto, ele consegue
eliminar o metal com relativo sucesso. Boa parte dele se concentra na carapaça,
por exemplo, que é trocada periodicamente, por isso, ele não reflete com
fidelidade a contaminação ambiental”, disse. Essa característica é mais comum
em animais filtradores, como ostras e mexilhões, que acumulam o que está no
ambiente.
A pesquisa gerou o capítulo Cellular Cadmium Transport in Gills and Hepatopancreas
of Ucides cordatus, a Mangrove Crab publicado no livro Crabs: Anatomy, Habitat and Ecological Significance. (ed. Kumiko Saruwatari and Miharu Nishimura. Hauppauge NY: Nova Science
Publishers, p. 107-122).
O trabalho também embasou a
dissertação de mestrado “Transporte de cádmio em células branquiais docaranguejo de mangue Ucides cordatus”,
de Priscila Ortega, apresentada em 2012 no IB/USP.
“Entre as maiores contribuições
desse projeto estão o papel do cálcio como protetor para evitar absorção de
metais tóxicos e o efeito cumulativo do cádmio que se acentua quanto mais tempo
o animal for exposto ao contaminante”, disse Zanotto.
“Como esses caranguejos são
consumidos pelo homem, torna-se extremamente importante saber o nível de
contaminação em que se encontram”, comentou.
Recentemente, a pesquisadora
também publicou o artigo Characterization
of copper transport in gill cells of a mangrove crab Ucides cordatus no
periódico Aquatic Toxicology, fruto
de outra pesquisa, mostrando como outro metal tóxico, cobre, entra pelas
brânquias de caranguejos nos manguezais de São Paulo. Como o cádmio, o cobre
também interage com o cálcio nas células das brânquias.
Fonte: Agência Fapesp. Leia mais.
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