Os frentistas de postos de
combustível podem estar com a visão em risco pela exposição aos solventes
existentes na gasolina. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP)
observou perdas visuais significativas – principalmente relacionadas à
capacidade de discriminar cores – em um grupo de 25 trabalhadores. Eles foram
avaliados por meio de uma nova metodologia capaz de detectar problemas que
passam despercebidos em exames oftalmológicos convencionais.
O estudo foi realizado no âmbito de um Projeto Temático coordenado
pela professora Dora Selma Fix Ventura, do Instituto de Psicologia da USP.
“Avaliamos a capacidade de discriminar cores e contrastes e
fazemos medidas de campo visual por meio de testes psicofísicos
computadorizados. A atividade elétrica da retina também é medida com um exame
não invasivo, o eletrorretinograma, que consiste na colocação de um eletrodo no
olho para medir a resposta elétrica da retina a um determinado estímulo
visual”, contou.
Os testes também já foram aplicados em pacientes que sofreram
exposição ao mercúrio e em portadores de doenças como diabetes, glaucoma,
Parkinson, esclerose múltipla, autismo, distrofia muscular de Duchenne e
neuropatia óptica hereditária de Leber – uma patologia genética que costuma
causar perda súbita de visão.
A pesquisa com o grupo de frentistas da capital foi realizada
durante o mestrado de Thiago Leiros Costa, bolsista da Fundação de Apoio à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e os resultados foram publicados na
revista PLoS One.
“Esses trabalhadores têm contato diário com solventes da gasolina,
como benzeno, tolueno e xileno, e não há um controle normativo forte. Há
estudos que estabelecem limites de segurança para a exposição a solventes, mas
de forma isolada. Não há parâmetros de segurança para a exposição à mistura de
substâncias presentes na gasolina e praticamente ninguém faz uso de
equipamentos de proteção individual”, disse Costa.
Experimento
Os voluntários passaram por exames oftalmológicos que descartaram
qualquer alteração estrutural na córnea, no cristalino ou no fundo do olho.
Ainda assim, o desempenho dos frentistas nos testes psicofísicos foi
significativamente inferior quando comparado ao do grupo controle. A hipótese
dos pesquisadores é que o impacto na visão seja decorrente do dano neurológico
causado pelas substâncias tóxicas do combustível, absorvidas principalmente
pelas mucosas da boca e do nariz.
“Encontramos alterações em todos os testes de visão de cores e de
contrastes. Foi uma perda difusa de sensibilidade visual e isso sugere que
foram afetados diferentes níveis de processamento do córtex visual”, explicou
Costa.
Em quatro dos frentistas testados, a perda de sensibilidade para
cores foi tão significativa que os pesquisadores precisaram realizar um exame
genético para descartar a possibilidade de daltonismo congênito.
“Todos os voluntários trabalhavam em postos controlados pela
Agência Nacional de Petróleo (ANP) e, em princípio, deveriam estar de acordo
com as normas de segurança. Isso sugere que, atualmente, o trabalho de frentista
não é tão seguro quanto o proposto. Se os solventes estão de fato afetando o
cérebro, não é apenas a visão que está sendo comprometida”, avaliou Costa.
O pesquisador destacou, ainda, outras categorias de trabalhadores
que podem sofrer perdas visuais pela exposição crônica a solventes orgânicos,
como funcionários da indústria gráfica e de tintas.
Mercúrio
A investigação conduzida por Costa foi um desdobramento de um
trabalho anterior feito com trabalhadores expostos ao mercúrio durante o
mestrado de Mirella Telles Salgueiro Barboni, também com bolsa da Fapesp.
“Existe um grupo de pacientes acompanhado no Hospital das Clínicas
da USP que sofreu exposição ocupacional ao vapor de mercúrio, a maioria em
fábricas de lâmpadas fluorescentes. Eles apresentam diversos prejuízos
neuropsicológicos e problemas de memória e atenção. Nós queríamos saber se a
visão também havia sido afetada”, contou Barboni.
Intoxicação
diminui campo da visão periférica
Estudos anteriores feitos no Japão, disse a pesquisadora Mirella
Telles Salgueiro Barboni, haviam mostrado que a intoxicação por mercúrio pode
causar uma constrição no campo visual, ou seja, diminuir a visão periférica. O
grupo da USP decidiu então usar a nova metodologia para descobrir se poderia
haver danos também na região central da retina.
“Apresentávamos pequenos discos de luz cada vez mais fracos sobre
um fundo iluminado. Queríamos medir qual era a menor intensidade de luz que o
voluntário conseguia enxergar nas diferentes regiões do campo visual. Em
seguida, fazíamos o eletrorretinograma”, contou.
Os resultados mostraram que a visão central também estava bastante
prejudicada no grupo de 35 pacientes estudados. Segundo a pesquisadora, todos
tiveram desempenho significativamente inferior ao do grupo controle em todos os
testes.
“Com base nos resultados do grupo controle, composto por pessoas
saudáveis, nós criamos faixas de normalidade. Nas regiões mais periféricas do
campo visual, 71% dos expostos ao mercúrio tiveram resultado abaixo do limite
inferior normal, ou seja, de cada dez voluntários, sete não tinham nem sequer o
pior desempenho do grupo controle. Na região central, o índice ficou em torno
de 25%”, explicou a pesquisadora.
Os resultados da pesquisa foram divulgados em artigo publicado na
revista Environmental Research. A
visão de cores e de contrastes foi avaliada durante os projetos de mestrado de
Claudia Feitosa-Santana e Marcos Lago, respectivamente, que também observaram
perdas significativas.
Fonte: D24am.com. Leia mais.
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