Em
1° de janeiro deste ano passou a vigorar a Resolução CONTRAN nº 460, que estabelece a realização de testes toxicológicos
para motoristas quando da
adição e renovação da habilitação nas categorias C, D e E, a partir de
julho. Além disso, determina que os laboratórios brasileiros
que os realizarem deverão possuir obrigatoriamente certificado do Colégio
Americano de Patologistas (CAP-FDT) de acreditação forense de teste de droga
com o escopo de análise toxicológica de cabelo.
O professor e toxicologista Eustáquio Linhares Borges critica a
Resolução, afirmando haver equívoco nessas determinações, principalmente na
obrigatoriedade de submissão de laboratórios brasileiros a certificação por
entidade científica americana.
Uma
análise da questão é feita pela Dra. Lolita Tsanaclis, diretora científica da Cansford
Laboratories e diretora da Chromatox. É farmacêutica bioquímica formada pela USP,
com doutorado em toxicologia pela University of Wales, Reino Unido, e
trabalha com análises de drogas em cabelo e saliva há mais de 15 anos:
“A partir de junho, entrará
em vigor em junho a Resolução 460, criada pelo Conselho Nacional de Trânsito
(Contran), e que exigirá de motoristas de caminhões, ônibus e vans a
apresentação de testes toxicológicos como condição para obter ou renovar a
carteira de habilitação.
Isso
significa mais uma polêmica, principalmente porque causou surpresa nas empresas
envolvidas no assunto. Certamente não foi feita nenhuma consulta com os
especialistas da área de toxicologia para discutir os itens da resolução, como
fez a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) para implantar o programa de
álcool e drogas nas companhias aéreas.
Como
atuo desde o final da década de 1990 em análises de drogas em cabelo e saliva,
vejo muita desinformação no mercado sobre as nuances e implicações desses testes,
inclusive a presença do álcool em amostras de cabelo.
Em
primeiro lugar, cito a questão da acreditação, uma vez que a ISO 17025 é a
norma padrão internacional de análises forenses. Entretanto, foi uma surpresa
ao saber que a resolução demanda que o laboratório envolvido nessas análises
seja restrito ao credenciamento pelo Colégio Americano de Patologistas (CAP),
isto é, por um país estrangeiro.
A
exigência da Resolução 460 solicitando que o laboratório seja acreditado é
correta, mas ignora totalmente que acreditação de laboratórios no Brasil
é feita pela Divisão de Acreditação de Laboratórios (Dicla), de acordo com os
requisitos da norma ABNT NBR ISO/IEC 17025, o que leva a crer que ocorreu
uma falta de consulta a autoridades profissionais da área na execução do
documento.
Amostras
de cabelo
Quanto
aos méritos na utilização de amostras de cabelo, julgo também que faltou
participação de indivíduos profissionais com conhecimento comprovado no assunto
durante a execução e aprovação de partes do documento. Claro que a intenção da
resolução é a melhor possível em decorrência do grande número de pessoas
que morrem nas estradas brasileiras (a estatística mostra que no Brasil em 2012
ocorreram 60 mil fatalidades), sendo o álcool e drogas fatores
significantes nas causas desses acidentes.
Assim,
diante disso, a primeira questão que coloco é: qual seria o objetivo da
Resolução 460? Ela pretende identificar todos os motoristas profissionais que
fazem uso de drogas e dessa forma eliminá-los completamente da profissão? Ou
pretende iniciar um processo harmonizado envolvendo vários segmentos
profissionais para conjuntamente atuar na redução dos acidentes nas estradas
devido ao álcool e drogas?
No
mundo inteiro esta formulação esta sendo discutida e também implementada
em vários países. Por exemplo, na União Europeia existe um projeto de grande
magnitude com o intuito de harmonizar a legislação e combater o uso de veículos
automotivos por motoristas que estejam sob a influência de álcool e drogas,
chamado de projeto DRUID (Driving under the Influence of Drugs, Alcohol
and Medicines). O projeto surgiu decorrente dos números exorbitantes de
fatalidades nas estradas da Europa, semelhantes aos números no Brasil.
A
União Europeia é praticamente do tamanho do Brasil e com a mesma escala de
diversidades. Neste projeto foi feito um levantamento com a análise de sangue
ou saliva de 50 mil motoristas em 13 países participantes do projeto. O álcool
foi a substância que mais causou acidentes com ou sem fatalidades (media de
3,5%). As drogas ilícitas tiveram uma participação menor (1,9%); foram
detectadas principalmente em jovens do sexo masculino, principalmente em finais
de semana. Além disso, também foram encontrados medicamentos em mulheres
da meia idade.
A
prevalência média do uso de medicamentos foi de 1,4% e a mistura de álcool com
drogas foi de 0,37%. Um número alto de motoristas envolvidos em acidentes com
ou sem fatalidades estavam sob influência de estimulantes como a
ecstasy ou cocaína. Estas estatísticas compelem a prevenção de acidentes
voltada ao uso do álcool, porém sem deixar de se preocupar com o uso de drogas
e medicamentos.
Alguns
países introduziram a tolerância zero para drogas em motoristas. A legislação,
embora ainda não harmonizada é tal que, em alguns países, os indivíduos têm a
carteira de motorista suspensa por períodos que dependem da sua participação em
cursos de reabilitação, exames médicos e psicológicos associados a testes
toxicológicos frequentes em sangue urina ou cabelo para demonstrar abstinência.
A reincidência após o participação nos programas de reabilitação chegou a ser
reduzida em media de 45%.
Nos
Estados Unidos, onde ocorre uma fatalidade em um acidente nas estradas a cada
48 minutos, a maioria dos estados proíbe a presença de qualquer substância ou
drogas enquanto conduzindo veículos automotivos. Os indivíduos que foram
envolvidos em acidentes relacionados ao uso de álcool são obrigados a
instalar em seus veículos sistemas que fazem o teste do bafômetro, que não irá
permitir a partida do veículo se o teste for positivo.
Quanto
à detecção do uso de drogas existem varias recomendações e variações entre os
diferentes estados quanto aos testes de detecção, limites de tolerância,
punições e tratamento.
Testes
toxicológicos para drogas e álcool
A
aplicação dos testes toxicológicos varia nos diferentes países da Europa, bem
como no Canadá e Estados Unidos.
Por
exemplo, na Alemanha, a análise para a detecção de drogas e do uso de álcool
(através de um biomarcador direto de álcool ETG – ethyl glucuronide, em
amostras de cabelo dos 3 cm proximais ao couro cabeludo) é uma opção para
comprovar abstinência para a restituição da carteira de habilitação nos
casos relacionados ao álcool. O exame de ETG em amostras de cabelo permite a
diferenciação de uso excessivo de álcool do uso ocasional. Porém os exames são
realizados em conjunto com a avaliação clínica dos indivíduos e outros
exames bioquímicos entre eles CDT um biomarcador indireto de álcool
(carbohydrate deficient transferrin) em amostras de sangue.
Outra
opção utilizada na Alemanha quanto à avaliação da abstinência do uso de álcool
por um ano de motoristas com cartas de motoristas suspensas é através
de seis exames de ETG na urina, randomizados ou quatr exames do biomarcador ETG
para cobrir aproximadamente um ano. Ainda na Alemanha a triagem de
drogas é feita em amostras de urina utilizando-se cut-offs cerca de 10 vezes
mais baixos, que os utilizados normalmente são utilizados.
Na
Suécia, a abstinência de álcool não é compulsória para um indivíduo reaver a
carteira de habilitação e os testes bioquímicos em sangue são utilizados para o
monitoramento do uso do álcool, porém, abstinência do uso de drogas através da
análise de drogas em cabelo é compulsória.
A
Itália tem um sistema de remoção da carteira de habilitação e a sua restituição
é também abalizada pela combinação dos testes em urina e cabelo. Por exemplo,
uma urina positiva e cabelo negativo para drogas a carteira é suspensa por
apenas três meses, desde que o indivíduo passe novamente no teste de
cabelo. Se a urina e o cabelo forem positivos para drogas, a suspensão da carta
de motorista é por seis meses. Em ambos os casos, os testes no cabelo deverão
ser realizados por um, dois ou três anos.
Na
França, a análise de drogas em amostras de cabelo também e empregada na
restituição da carta habilitação de forma semelhante à Alemanha e Itália.
O fato é que no Brasil, semelhante a outras partes do mundo, ações de prevenção
e de tratamento devem ser implementadas para diminuir os números elevados de
acidentes fatais nas estradas. Cada país está em uma etapa diferente na escala
desta longa empreitada. Seus administradores são responsáveis pela
implementação de medidas que se adaptem a cada uma de suas culturas e alcance
econômico, entre outros pontos.
Concordo que a análise de drogas em amostras de cabelo possam fazer parte do
processo de renovação da carteira de motoristas, porém também acho que a
análise de drogas e álcool em amostras de cabelo não deve ser utilizada
isoladamente, mas em associação a um conjunto de avaliações clínicas e
outros testes específicos aos casos relacionados tanto ao uso do álcool bem
como para drogas ilícitas e medicamentos. Não existe uma fórmula
mágica que possa abranger todas as situações, mas um conjunto
de ferramentas.
No
Brasil esses trabalhos administrativos e discussões já começaram o que é um bom
sinal. A Resolução 460 é um exemplo, porém na sua forma atual, ela
apresenta múltiplos erros textuais e de conceituação para que a sua
implementação seja viável.
Esse
trabalho de aprimoramento da resolução tem que ser um trabalho aberto, público,
envolvendo todos os especialistas relevantes relacionados às
diferentes esferas de ação, para que seu aprimoramento evolua
corretamente, nos moldes dos trabalhos já em progresso em outras partes do
mundo. Este grupo de trabalho deve ser caracterizado pelo profissionalismo e
ética dos seus integrantes. Mesmo assim não será fácil.”
Fonte: Transpo Online.